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HRAC-USP: reabilitação de norte a sul do Brasil

Histórias mostram transformação na vida de pacientes e o alcance do trabalho realizado pelo Hospital, que beneficia famílias de todos os cantos do país

Calama, um distrito de Porto Velho, capital do Estado de Rondônia, está localizada às margens do Rio Madeira, próxima da divisa com o Amazonas, na região Norte do Brasil. A população de cerca de três mil habitantes necessita ir até a capital para os atendimentos de saúde. De barco, são 17 horas de navegação rio acima. De lancha, a viagem dura cinco horas.

Clédina aos nove anos de idade, antes da cirurgia reparadora do lábio. Foto: Arquivo pessoal

É nessa comunidade ribeirinha que vive Clédina Correa da Silva, 37 anos. Única pessoa nascida com fissura labial em Calama, Clédina chegou ao Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) da USP em Bauru em 1992, aos dez anos de idade, ainda com a abertura no lábio.

Naquele ano, ela realizou a cirurgia reparadora. Em 1995, retornou ao HRAC-USP para tratamento com a equipe de Odontopediatria. Posteriormente, sua condição clínica permitiu acompanhamento em seu Estado.

A paciente Clédina e o professor Carlos Ferreira dos Santos durante a expedição do Programa FOB-USP em Rondônia, em Calama, no mês de julho de 2019. Foto: Denise Guimarães, FOB-USP

Encaminhada ao HRAC-USP por membros da Universidade de São Paulo que desenvolviam atividades em Rondônia, Clédina encontrou a expedição do Programa FOB-USP em Rondônia que esteve em Calama no mês de julho de 2019. Desenvolvido pela Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP, o projeto de extensão leva assistência odontológica e fonoaudiológica a moradores daquela região, por meio da atuação dos professores, alunos e funcionários da instituição. Profissionais e estudantes do HRAC-USP também atuam no projeto, que em 2020 contará ainda com a participação dos alunos do Curso de Medicina da FOB-USP.

“Encontrei o pessoal da USP de Bauru por acaso. Fui fazer a unha do dono do barco em que estava a expedição. Conversei com os doutores, inclusive com o diretor do Centrinho, professor Carlos. Fiquei muito feliz”, conta Clédina, que hoje é manicure, artesã e faz bolos. Ela é casada e tem dois filhos, um rapaz de 19 anos e uma menina de dez, que nasceram sem fissura.

Clédina com o marido, Ageu (abaixo), e com os filhos Thiago (acima) e Ana Luísa (à direita). Fotos: Arquivo pessoal

Clédina lembra que o tratamento propiciou uma grande transformação em sua vida. “Eu tinha muitos apelidos na escola, beiço partido era um deles. Uma irmã mais velha defendia-me e brigava com aqueles que me xingavam, mas eu sempre chegava em casa chorando. Eu também tinha muita vontade de passar batom, mas não passava em razão da fenda. A pior coisa era olhar no espelho. E o tratamento mudou a minha vida. Hoje tenho uma vida normal! Agradeço a Deus e a todos que me ajudaram”, relata.

“Foi uma surpresa e uma grata satisfação esse encontro em Calama. Uma demonstração de gratidão e carinho como essa que recebemos da paciente Clédina ilustra bem a importância e o alcance do trabalho realizado pela equipe do HRAC-USP ao longo dos seus 52 anos, e também a transformação na vida das pessoas. Afinal, o objetivo maior da reabilitação é propiciar qualidade de vida e plena inserção do indivíduo na sociedade”, ressalta o professor Carlos Ferreira dos Santos, superintendente do HRAC-USP e diretor da FOB-USP.

A paciente Gabriela (à direita), com o marido, Rodrigo, a mãe, Marta, e a filha de três meses, Laura. Foto: Jennifer Villanova / Arquivo pessoal

Carreira e homenagem
Outra história que mostra o impacto e a extensão do trabalho do HRAC-USP é a da enfermeira Gabriela Oliveira Silva, 29 anos, que vive em Pelotas (RS), na região Sul do país.

Nascida com fissura labiopalatina, a gaúcha iniciou o tratamento no HRAC-USP aos três anos de idade. “O tratamento foi fundamental na minha vida. Com o tratamento recebido no Centrinho, recuperei minha estética e a parte funcional. Consegui ter uma vida normal: estudei, me formei, trabalho, tenho família. Estou inserida na sociedade como qualquer outra pessoa”, afirma Gabriela.

Tatuagem do logo do HRAC-USP na paciente Gabriela. Foto: Eder Azevedo/JC Imagens

“Vivi muito tempo dentro de hospital, em meio a profissionais da área da saúde. Acredito que isso influenciou inclusive a escolha da minha profissão”, revela a jovem, que se formou em Enfermagem e atua na área.

Aos 22 anos, após o enxerto ósseo alveolar – cirurgia que reconstitui o osso do arco dentário em pacientes com fissura labiopalatina –, Gabriela tatuou o logo do HRAC-USP sobre a cicatriz na região do quadril, de onde é retirada parte do osso para o enxerto. “Foi uma maneira de homenagear o hospital”, pontua.

A fissura labiopalatina
Condição congênita em que há comprometimento da fusão dos processos faciais durante a gestação, a fissura labiopalatina está relacionada a fatores genéticos e ambientais. Apresenta grande variabilidade clínica, podendo envolver desde uma pequena cicatriz labial até fissuras completas e bilaterais, que atingem o palato e são mais complexas. Pode ocorrer de forma isolada, estar associada a outras malformações ou ainda fazer parte de um quadro sindrômico. A prevalência no Brasil é de uma a cada 650 crianças nascidas.

As principais implicações que as fissuras podem trazer ao indivíduo são dificuldade na alimentação, alterações na arcada dentária e na mordida, comprometimento do crescimento facial e do desenvolvimento da fala e audição. Ao longo dos anos, essa condição pode inclusive trazer impactos sociais e também o bullying.

O tratamento é um processo que envolve a atuação de equipe interdisciplinar, das áreas de cirurgia plástica, odontologia, fonoaudiologia, entre outras especialidades, todas indispensáveis à reabilitação, que engloba aspectos funcionais, estéticos e emocionais.

A instituição
Fundado em 1967, o HRAC-USP é pioneiro em suas áreas de atuação e considerado centro de referência no tratamento das anomalias craniofaciais congênitas, síndromes associadas e deficiências auditivas, com assistência disponibilizada via Sistema Único de Saúde (SUS). O acesso de novos pacientes é por meio das centrais de regulação, a partir de avaliação inicial em unidade básica de saúde. Nessas cinco décadas de atividades, o Hospital registra mais de 115.000 pacientes matriculados, vindos de todos os Estados do país.