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Intervenção precoce favorece fala de crianças com fissura

Doutoranda Débora Natália de Oliveira durante sessão utilizando metodologia de intervenção precoce. Foto: Reprodução / Site Projeto Interkids

Método proporciona melhor desenvolvimento da fala e compreensão; estudo do HRAC-USP com universidade dos EUA acaba de receber prêmio de mérito excepcional internacional e já resultou em site para pais e fonoaudiólogos

Um método de intervenção fonoaudiológica precoce tem proporcionado melhor desenvolvimento da fala e compreensão de crianças com fissura palatina. É o que mostra projeto de pesquisa desenvolvido no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) da USP em Bauru em parceria com a Arizona State University (ASU), dos Estados Unidos, conhecido como Interkids. O estudo acaba de receber prêmio de mérito excepcional internacional e já resultou, inclusive, em site para capacitação de fonoaudiólogos e pais interessados.

“Em curto prazo, os resultados mostraram desenvolvimento significativo da linguagem expressiva, com aumento de vocabulário e combinações de sentenças, bem como melhora na linguagem receptiva [relacionada à compreensão]. Resultados em longo prazo identificaram benefícios ainda maiores, tanto no aspecto da linguagem quanto na produção da fala. As crianças que receberam a intervenção adquiriram uma maior diversidade de vocabulário, passaram a falar mais e com melhor inteligibilidade de fala, comparativamente ao grupo que recebeu a terapia fonoaudiológica tradicional”, explica a professora Ana Paula Fukushiro, chefe do Laboratório de Fisiologia do HRAC-USP, docente do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB-USP) e diretora do projeto de pesquisa no Brasil. “O estudo desenvolveu, ainda, recursos para capacitação de fonoaudiólogos brasileiros e familiares interessados na intervenção precoce, incluindo a criação de um website”, destaca.

A fissura labiopalatina – abertura na região do lábio e/ou palato com incidência em uma a cada 650 crianças nascidas no Brasil – é uma das malformações mais comuns, e traz implicações como dificuldade na alimentação, alterações na arcada dentária e na mordida, comprometimento do crescimento facial, do desenvolvimento da fala e audição, além de impactos emocionais e sociais. Daí a importância de se desenvolver pesquisas que levem a tratamentos clínicos que minimizem as repercussões desta condição.

“Embora exista uma vasta literatura sobre avaliação e tratamento cirúrgico das fissuras, há relativamente poucos estudos sobre intervenções para melhorar a fala, particularmente em idades precoces, após o reparo cirúrgico. A experiência indica que o desenvolvimento da fala e linguagem de crianças com fissura palatina é caracterizado por déficits tanto na fala como no vocabulário, que persistem até o período pré-escolar e têm impacto sobre as primeiras experiências educacionais. Assim, pesquisadores do HRAC-USP e da ASU se uniram e elaboraram um método que tem por objetivo capacitar os fonoaudiólogos e até mesmo os pais e cuidadores para ajudar as crianças com fissura de palato operadas, de um ano e meio até três anos de idade, a produzirem corretamente os sons da fala enquanto brincam e interagem com as mesmas”, conta a pesquisadora principal e coordenadora do Projeto Interkids no Brasil, professora Inge Elly Kiemle Trindade, do Programa de Pós-Graduação do HRAC-USP e Departamento de Ciências Biológicas da FOB-USP.

“O Interkids conta com apoio financeiro de um dos principais órgãos de fomento mundial, o National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, e tem aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP) do HRAC-USP e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep)”, acrescenta.

Reconhecimento internacional
Fruto do Interkids, o pôster “Intervenção precoce na fala e linguagem de crianças com fissura labiopalatina no Brasil: Resultados de curto e longo prazo” recebeu, recentemente, certificado de reconhecimento de mérito excepcional da Associação Americana de Fala, Linguagem e Audição (ASHA, na sigla em Inglês). O trabalho recebeu as classificações mais altas dos revisores em ambas as categorias: educação profissional e pesquisa.

A Convenção ASHA 2020 estava programada para novembro e foi cancelada em razão da pandemia de covid-19, mas os trabalhos enviados foram avaliados, e os melhores, premiados.

“Trata-se de um reconhecimento importantíssimo, vindo de uma renomada associação científica, responsável por um dos principais congressos mundiais da área de fonoaudiologia, com cerca de 15.000 participantes todos os anos. Nosso trabalho teve grande destaque dentre mais de 1.500 submissões”, ressalta a professora Inge Trindade.

O pôster premiado tem autoria da professora Nancy Scherer (ASU), pesquisadora principal do Projeto Interkids; Renata Yamashita (HRAC-USP), fonoaudióloga líder; professoras Ana Paula Fukushiro e Inge Trindade (HRAC-USP e FOB-USP); Débora Natália de Oliveira, fonoaudióloga intervencionista e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação do HRAC-USP; além de Jennifer DiLallo, Kacey Richards, Bryan Acosta, Whitney Dean e Kari Lien, pós-graduandos da ASU.

Metodologia e site
Chamado “Enhanced Milieu Teaching with Phonological Emphasis – EMT/PE” (traduzido para o Português como “Capacitação do Meio com Ênfase Fonológica”), o método de intervenção utiliza estratégias incorporadas em atividades lúdicas e interações naturalísticas.

A proposta inclui três componentes: arranjo ambiental, com organização do ambiente de modo a otimizar as oportunidades de fala e manter o interesse da criança; estratégias de interação responsiva, que visam uma conversação com troca de turno entre adulto e criança, fornecendo modelos de linguagem apropriada; e eventos que estimulem as crianças a usarem um vocabulário mais elaborado e aumentem a inteligibilidade.

No início de 2020, o HRAC-USP disponibilizou um site com o objetivo principal de difundir esse método de intervenção, com as estratégias para estimular a fala de crianças que apresentam fissura de palato operada em idade precoce (18 a 36 meses), desenvolvido para pais e fonoaudiólogos.

Com conteúdos próprios direcionados tanto aos profissionais como aos cuidadores, o site visa disseminar as estratégias e metodologia de aplicação, por meio de passo a passo, textos e vídeos ilustrativos. Todo o material pode ser acessado no endereço http://projetointerkids.hrac.usp.br/.

Frutos científicos e retorno à sociedade
A professora Inge Trindade destaca ainda que esse projeto de pesquisa em parceria com a universidade norte-americana também já resultou em capítulo de livro em língua inglesa e, atualmente, está em fase de publicação o primeiro artigo em periódico científico internacional.

“Paralelamente, a professora Nancy Scherer [da ASU] foi aceita como coorientadora do Programa de Pós-Graduação do HRAC-USP e pós-graduandos do Hospital já realizaram intercâmbio no Arizona”, relata. Além disso, estudantes de graduação da FOB-USP também já realizaram intercâmbio nos EUA, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), quando Scherer ainda lecionava na East Tennessee State University (ETSU).

Para Inge Trindade, esse tipo de parceria com instituições do exterior produz frutos incontestáveis. “Neste caso em particular, resultou na melhora e em novas abordagens de tratamento para os pacientes com fissura, e na ampliação do conhecimento e crescimento científico de todo o grupo de pesquisadores envolvidos, tanto docentes como alunos”, assinala.

Segundo Ana Paula Fukushiro, a etapa de intervenção nos pacientes foi concluída. No momento, a pesquisa está em fase de conclusão de relatórios. “Pretendemos dar continuidade a essa proposta de intervenção fonoaudiológica precoce – planejando oportunamente como deverá ser aplicada na rotina clínica do HRAC-USP – e, ainda, capacitar o maior número de profissionais de outras localidades”, projeta a professora.

“O Projeto Interkids é um excelente exemplo que evidencia a importância do tripé fundamental da Universidade: ensino, pesquisa e extensão aliados para a formação acadêmica, a geração de novos conhecimentos e o aperfeiçoamento dos protocolos de tratamento dos nossos pacientes”, pontua o superintendente do HRAC-USP e diretor da FOB-USP, Carlos Ferreira dos Santos.